Nos tempos que correm as palavras mais ouvidas são 'crise', 'défice' e 'desemprego'.
Mas na minha, ainda curta, experiência no mundo laboral já vi muitos dos sintomas recessivos que agora ganham contornos de manchete de jornal. Um deles é inevitavelmente a escassez de oferta de emprego, inversamente proporcional à imaginação daqueles que ainda o têm para oferecer à mão-de-obra disponível.
Começo, então, pela minha experiência mais recente e mais fresca na memória.
Concorri a um estágio 'remunerado' e chamaram-me para entrevista esta semana. Apesar de já ter reunido algumas condições para o meu radar se poder concentrar em ofertas a sério, ou seja alguns anos de experiência, de vez em quando lá aparece um anúncio aparentemente milagreiro de estágio remunerado, que não os vulgarmente comparticipados pelo Estado. Ocasionalmente, lá vou espreitar essa grande oportunidade que é a de aprender e enriquecer-me espiritualmente até ao fim dos meus dias.
Então fui à entrevista, em Cacilhas, Almada. Foi a primeira vez que andei de cacilheiro e foi a melhor experiência dessa aventura, sem dúvida.
Chegada à entrevista sou recebida com todas a delicadezas e acomodada numa sala de reuniões nova, decorada com loiças monárquicas. Da sala posso ver os vários servidores que fornecem os dados necessários à produção da actividade: no caso, clipping.
Por ser mais aproximado da minha área de formação e por pensar que o carácter de estágio possibilitaria um horário mais reduzido que o do trabalhador normal, comecei a fazer contas à minha rotina diária e ao rendimento mensal.
- Ora bem, quatro horas em Almada, de manhã, mais cinco, à tarde, no part-time que já tenho já me dá para orientar mesmo que só ofereçam uns 200 euros.
Acertei na última parte. Mas já lá vamos.
Antes da entrevista em si tive de preencher um formulário. No ponto da experiência profissional aparecia um quadro para colocarmos o respectivo salário auferido em cada uma das experiências.
- Mau, que violação de privacidade é esta? - pensei logo. Depois reflecti e achei que ao referi-lo podia dar uma ideia de por quanto ficaria ou, melhor, por quanto menos não ficaria.
No fim do dito formulário havia uma outra curiosidade, certamente vinda directamente dos manuais de recursos humanos e das suas pseudopsicologias. «Escreva um texto sobre um tema à sua escolha».
-WTF?
Como não fazia ideia do que inventar e não podia perder muito tempo falei do rio, de Almada, do movimento pendular e de como gostei de já ter trabalhado no lado de lá da margem - pura poesia, como se pode ver, embora de sentimento verdadeiro.
Passo então à fase da entrevista e, feitas as devidas apresentações sobre as tarefas em causa, segue-se a equação disponibilidade + horário + dinheiro.
- Bom, já vi que só pode vir da parte da manhã. Se tem de estar às 15h em Lisboa, teria de fazer o turno das 7h às 14h - disse o director da empresa.
- Teria de sair à 13h porque às 15h é a hora a que entro no outro trabalho - respondi eu. Tradução: tenho de apanhar transportes e comer qualquer coisa. Desculpe, sim?
- Ah, então faria só seis horas - replicou. Podia compensá-las depois porque tem de fazer sempre dois fins-de-semana por mês.
- Compensar? - pensei.
Pois é, a nova moda agora é o termo 'compensar'. Compensar por não dormir lá? Compensar o quê afinal? O facto de não trabalhar de borla? Esta arrogância de quem oferece trabalho como se o fizesse por vocação missionária descobriu essa nova palavra. Já no meu actual trabalho de part-time também compensamos uma hora todas as semanas, contratualmente apelidada de hora de formação, realmente hora extra não remunerada.
Voltando à equação, chegamos à parte da dita remuneração, ou seja, bolsa de estágio.
- A bolsa que oferecemos é 250 euros.
A equação passa a ser 7h/dia + entrar às 7h e depois ir para outro trabalho e sair de lá às 20h + fins-de-semana + 250 € . Resultado igual a 0.
- Pelas suas palavras parece que me quer dizer que vai pensar - indagou o director.
- Sim. Percebo que a bolsa seja algo inferior a um salário - imagino quanto este será - mas tenho de ponderar se compensa.
Obviamente declinei a «oportunidade de carreira» que o senhor me oferecia, tentando ser educada e dando desculpas de variada ordem que ele refutava,imagine-se, usando o meu texto de tema livre.
- É cedo, mas a essa hora há sempre barcos e o fluxo de pessoas, como disse no seu texto, é no sentido oposto.
Na minha cabeça passava toda a espécie de ofensas possível com a mesma base de fundo: «és um filho da puta que tem clientes como a Mercedes e pagas esta merda às pessoas para se matarem a trabalhar aqui. Se isso é ser empreendedor, então também eu sou». Mas sorri e despedi-me.
Hoje liguei para comunicar oficialmente a decisão e ainda levei com uma gargalhada irónica quando disse, em jeito de conversa de circunstância, mas sem qualquer intenção, que podia ser que surgisse uma próxima oportunidade no futuro.
Apesar de tudo continuo a gostar de Almada e a achar que os braços do Cristo Rei estão genuinamente abertos para todos.
Tuesday, June 8, 2010
Saturday, May 22, 2010
Funny the way it is
Há muito tempo que não escrevo aqui. Ferrugem, preguiça e a sedução das instantaneidade e interactividade do facebook têm-me feito estar ausente da blogosfera.
Mas há coisas, reflexões, que requerem mais tempo e espaço virtual.
Mesmo quando essas coisas são aparentes trivialidades.
Uso, então, este regresso para falar de uma aparente frivolidade, mas com umas lições pelo meio: concursos de talentos.
Há dias estava a ver os episódios antigos do concurso "Achas Que Sabes Dançar" e num deles apareceu um concorrente de 15 anos, um miúdo, estudante e trabalhador (empregado como caixa de supermercado) cheio do sonho de ser bailarino. Não teve sucesso na coreografia, nem mostrou particulares dotes de dançarino, mas teve humildade para aceitar as críticas do júri: júri composto por 3 pessoas, sendo que uma percebe do assunto, outra fala mais do que aquilo que percebe e outra que não percebe nada, nem quer perceber, limitando-se apenas a fazer as vezes de um MMSantos, no papel de burgesso do trio. Foi desta última personagem do painel de jurados que saiu a crítica mais estúpida e preconceituosa, e até insensível, face à prestação do jovem aspirante a bailarino. «És caixa num supermercado? Então, devias aproveitar para limpar o chão e treinares uns passos com a esfregona», atirou o tal MMSantos wannabe.
Felizmente, na sua ingenuidade adolescente, o jovem não percebeu o alcance da humilhação. Porque, de facto, ele até nem sabia dançar. Mas teria e tem o direito de sonhar como qualquer jovem de 15 anos, ainda que tenha de o fazer no tempo que sobra da sua condição de trabalhador estudante. Mais do que o sonho de ser bailarino tem o direito a sonhar com um futuro, a ter aspirações maiores e legítimas - tudo o que um concurso daqueles não pode dar -. Um direito de todos, mesmo dos caixas de supermercado, e não apenas daqueles que têm tempo, disponibilidade, dinheiro ou estatuto, à partida, para o fazer.
Esta foi a lição má.
Num outro concurso do género, mas desta feita dedicado ao design e na versão norte-americana original, o'Top Design', o júri é mais polido, percebe realmente do assunto e a selecção do leque dos melhores é feita à porta fechada e sem comentários jocosos ou humilhações.
Escolhidos os mais talentosos parte-se para cada uma das eliminatórias.
Um dos concorrentes do último 'Top Design' que acompanhei era execrável. Ao que parece o senhor trabalhava para a revista decorativa da Martha Stewart, achava-se o melhor de todos, desdenhava o júri, julgando-se superiormente conhecedor da matéria (por que estava ali, então?). Além disso, tentou prejudicar um dos concorrentes, que até aí não lhe tinha oferecido grande concorrência, simplesmente porque ele não falava muito e não se saberia, assim, o que estava a pensar. «Eu não gosto do Preston», disse como que avisando que a sua irritação à moda do 'só porque sim' estava prestes a materializar-se em alguma coisa. Numa das provas, o concorrente execrável teve direito a ser o primeiro a escolher um lustre, que seria a peça central da prova de decoração daquele dia, e também de decidir a ordem pela qual os outros concorrentes escolheriam os restantes candeeiros. Deixou o Preston para último, sem hipótese e com uma peça difícil. Estatelou-se à grande. Não só o tal Preston foi o vencedor desse desafio, compondo uma sala maravilhosa centrada no lustre rejeitado, como também cativou com isso a atenção do júri, passando de despercebido a favorito. Chegou à final, o outro, o execrável da Martha Stewart, não. E nem foi por falta de talento deste, mas sobretudo pela arrogância de quem já se sente à vontade naquilo que faz. Bom, o facto de ser venenoso e mau colega também terá ajudado na expulsão. E esta é a história boa!
Mas há coisas, reflexões, que requerem mais tempo e espaço virtual.
Mesmo quando essas coisas são aparentes trivialidades.
Uso, então, este regresso para falar de uma aparente frivolidade, mas com umas lições pelo meio: concursos de talentos.
Há dias estava a ver os episódios antigos do concurso "Achas Que Sabes Dançar" e num deles apareceu um concorrente de 15 anos, um miúdo, estudante e trabalhador (empregado como caixa de supermercado) cheio do sonho de ser bailarino. Não teve sucesso na coreografia, nem mostrou particulares dotes de dançarino, mas teve humildade para aceitar as críticas do júri: júri composto por 3 pessoas, sendo que uma percebe do assunto, outra fala mais do que aquilo que percebe e outra que não percebe nada, nem quer perceber, limitando-se apenas a fazer as vezes de um MMSantos, no papel de burgesso do trio. Foi desta última personagem do painel de jurados que saiu a crítica mais estúpida e preconceituosa, e até insensível, face à prestação do jovem aspirante a bailarino. «És caixa num supermercado? Então, devias aproveitar para limpar o chão e treinares uns passos com a esfregona», atirou o tal MMSantos wannabe.
Felizmente, na sua ingenuidade adolescente, o jovem não percebeu o alcance da humilhação. Porque, de facto, ele até nem sabia dançar. Mas teria e tem o direito de sonhar como qualquer jovem de 15 anos, ainda que tenha de o fazer no tempo que sobra da sua condição de trabalhador estudante. Mais do que o sonho de ser bailarino tem o direito a sonhar com um futuro, a ter aspirações maiores e legítimas - tudo o que um concurso daqueles não pode dar -. Um direito de todos, mesmo dos caixas de supermercado, e não apenas daqueles que têm tempo, disponibilidade, dinheiro ou estatuto, à partida, para o fazer.
Esta foi a lição má.
Num outro concurso do género, mas desta feita dedicado ao design e na versão norte-americana original, o'Top Design', o júri é mais polido, percebe realmente do assunto e a selecção do leque dos melhores é feita à porta fechada e sem comentários jocosos ou humilhações.
Escolhidos os mais talentosos parte-se para cada uma das eliminatórias.
Um dos concorrentes do último 'Top Design' que acompanhei era execrável. Ao que parece o senhor trabalhava para a revista decorativa da Martha Stewart, achava-se o melhor de todos, desdenhava o júri, julgando-se superiormente conhecedor da matéria (por que estava ali, então?). Além disso, tentou prejudicar um dos concorrentes, que até aí não lhe tinha oferecido grande concorrência, simplesmente porque ele não falava muito e não se saberia, assim, o que estava a pensar. «Eu não gosto do Preston», disse como que avisando que a sua irritação à moda do 'só porque sim' estava prestes a materializar-se em alguma coisa. Numa das provas, o concorrente execrável teve direito a ser o primeiro a escolher um lustre, que seria a peça central da prova de decoração daquele dia, e também de decidir a ordem pela qual os outros concorrentes escolheriam os restantes candeeiros. Deixou o Preston para último, sem hipótese e com uma peça difícil. Estatelou-se à grande. Não só o tal Preston foi o vencedor desse desafio, compondo uma sala maravilhosa centrada no lustre rejeitado, como também cativou com isso a atenção do júri, passando de despercebido a favorito. Chegou à final, o outro, o execrável da Martha Stewart, não. E nem foi por falta de talento deste, mas sobretudo pela arrogância de quem já se sente à vontade naquilo que faz. Bom, o facto de ser venenoso e mau colega também terá ajudado na expulsão. E esta é a história boa!
Monday, March 1, 2010
Monday, February 1, 2010
Imelda Marcos segundo David Byrne
David Byrne prepara-se para lançar um disco conceptual sobre a vida de Imelda Marcos.
O registo, resultado de uma parceria com Fatboy Slim e com edição marcada para dia 23 deste mês, chama-se "Here Lies Love" e propõe-se contar, em 22 faixas repartidas por dois CDs, o percurso da ex-primeira dama das Filipinas.
Além do DJ, o antigo líder dos Talking Heads recrutou vários convidados especiais para dar voz aos temas do seu mais recente trabalho, destacando-se a forte presença feminina, nos contributos de Tori Amos, Cindy Lauper, St. Vincent, Martha Wainwright, Santigold, Roisín Murphy ou Sia.
Algumas das canções já podem ser ouvidas no site do músico, como são os casos da faixa título, interpretada por Florence and The Machine (outra das convidadas) e cuja letra recorre a citações da própria Imelda Marcos, ou de 'Please Don't', tema cantado por Santigold e disponível para download gratuito, na mesma página.
Em termos sonoros esta espécie de biografia musical pretende também transmitir o gosto da ex-primeira dama filipina pelas boîtes e discotecas, apresentando um ambiente clubbing transversal às canções.
Aqui fica o alinhamento de "Here Lies Love":
CD 1
1. HERE LIES LOVEVocal by Florence Welch (Florence + The Machine)
2. EVERY DROP OF RAINVocals by Candie Payne & St. Vincent
3. YOU’LL BE TAKEN CARE OF Vocal by Tori Amos
4. THE ROSE OF TACLOBANVocal by Martha Wainwright
5. HOW ARE YOU?Vocal by Nellie McKay
6. A PERFECT HANDVocal by Steve Earle
7. ELEVEN DAYSVocal by Cyndi Lauper
8. WHEN SHE PASSED BY Vocal by Allison Moorer
9. WALK LIKE A WOMANVocal by Charmaine Clamor
10. DON’T YOU AGREE? Vocal by Róisín Murphy
11. PRETTY FACE Vocal by Camille
12. LADIES IN BLUEVocal by Theresa Andersson
CD2
1. DANCING TOGETHERVocal by Sharon Jones
2. MEN WILL DO ANYTHING Vocal by Alice Russell
3. THE WHOLE MAN Vocal by Kate Pierson
4. NEVER SO BIGVocal by Sia
5. PLEASE DON’T Vocal by Santigold
6. AMERICAN TROGLODYTE Vocal by David Byrne
7. SOLANO AVENUE Vocal by Nicole Atkins
8. ORDER 1081 Vocal by Natalie Merchant
9. SEVEN YEARSVocals by David Byrne & Shara Worden (My Brightest Diamond)
10. WHY DON'T YOU LOVE ME?Vocals by Cyndi Lauper & Tori Amos
E um aperitivo:
Friday, January 15, 2010
O Xantarim fechou...E agora?
Dificilmente o encerramento de um bar em Santarém terá causado tanta tristeza como o do Xantarim. Não tanto por ser um dos mais antigos e pelo seu carisma arquitectónico - foram várias as 'faces' que já assumiu, conforme as suas gerências e clientelas - mas pelo ambiente que ali se criou nos últimos anos, mérito, sem dúvida, do Artur, o mais recente gerente deste mítico bar escalabitano.
Situado em pleno centro histórico, numa rua praticamente sem saída, espaço de porta fechada, discreto para quem passa e (re) conhecido para quem nele já entrou ou dele ouviu falar, o Xantarim tornou-se numa verdadeira instituição da noite da Scalabis, à qual nunca se pôde atribuir verdadeiramente a vertente mais mundana desse conceito: Noite.
Nos últimos tempos o Xantarim passou a ser o (único) sítio onde se ouvia boa música, nova ou velha, alternativa, indiscutivelmente, aos circuitos mais comercias da boémia ribatejana. Não me lembro de noutros tempos haver DJs de serviço neste espaço. Com ela, a música, cativou muitos que provavelmente procuravam antes outras paragens para se divertirem, trouxe mais vezes de volta à cidade os 'migrados' nas faculdades da capital e não só, e malta de fora, que normalmente recebia os escalabitanos e não o contrário.
De alternativa o Xantarim passou a ser um 'must go'. Toda a gente se caí lá, mas em regra o ambiente nunca descambou. Tal como também não mudou a simpatia e o antendimento das caras da casa. Mesmo para habitués como nós, cujo consumo muitas vezes não ultrapassava os 2 euros, mas se estendia por largas horas de conversa de surdos (a música sempre se impôs e as discussões eram muitas vezes sobre ela -'quem é que canta isto?', ou 'o original não é destes' e ainda 'vêm a Portugal este ano') nos bancos ou sofás iluminados àquela media luz misturada com fumo, de fazer arder os olhos ao mais resistente dos fumadores. Fazia tudo parte do charme de um espaço que pela sua história e características arquitectónicas era ocasionalmente referenciado por alguns ilustres professores da cidade.
Seguiram-se festas e concertos com a marca Xantarim. Festa dos anos 80, bandas amadoras da zona, mas de rock. Santarém nunca teve tradição, nem espaços, na divulgação das bandas de garagem locais, ao contrário de outras cidades da região. O Xantarim conseguiu furar um bocadinho isso. Também era ponto de encontro da malta no final dos espectáculos no Sá da Bandeira. Eram os dias em que frequentemente ficávamos de pé. Sabiamos que já não iriamos arranjar mesa, mas iamos à mesma.
Mas o Xantarim fechou. E agora?
Situado em pleno centro histórico, numa rua praticamente sem saída, espaço de porta fechada, discreto para quem passa e (re) conhecido para quem nele já entrou ou dele ouviu falar, o Xantarim tornou-se numa verdadeira instituição da noite da Scalabis, à qual nunca se pôde atribuir verdadeiramente a vertente mais mundana desse conceito: Noite.
Nos últimos tempos o Xantarim passou a ser o (único) sítio onde se ouvia boa música, nova ou velha, alternativa, indiscutivelmente, aos circuitos mais comercias da boémia ribatejana. Não me lembro de noutros tempos haver DJs de serviço neste espaço. Com ela, a música, cativou muitos que provavelmente procuravam antes outras paragens para se divertirem, trouxe mais vezes de volta à cidade os 'migrados' nas faculdades da capital e não só, e malta de fora, que normalmente recebia os escalabitanos e não o contrário.
De alternativa o Xantarim passou a ser um 'must go'. Toda a gente se caí lá, mas em regra o ambiente nunca descambou. Tal como também não mudou a simpatia e o antendimento das caras da casa. Mesmo para habitués como nós, cujo consumo muitas vezes não ultrapassava os 2 euros, mas se estendia por largas horas de conversa de surdos (a música sempre se impôs e as discussões eram muitas vezes sobre ela -'quem é que canta isto?', ou 'o original não é destes' e ainda 'vêm a Portugal este ano') nos bancos ou sofás iluminados àquela media luz misturada com fumo, de fazer arder os olhos ao mais resistente dos fumadores. Fazia tudo parte do charme de um espaço que pela sua história e características arquitectónicas era ocasionalmente referenciado por alguns ilustres professores da cidade.
Seguiram-se festas e concertos com a marca Xantarim. Festa dos anos 80, bandas amadoras da zona, mas de rock. Santarém nunca teve tradição, nem espaços, na divulgação das bandas de garagem locais, ao contrário de outras cidades da região. O Xantarim conseguiu furar um bocadinho isso. Também era ponto de encontro da malta no final dos espectáculos no Sá da Bandeira. Eram os dias em que frequentemente ficávamos de pé. Sabiamos que já não iriamos arranjar mesa, mas iamos à mesma.
Mas o Xantarim fechou. E agora?
Monday, January 4, 2010
A minha curta aventura pela crítica literária.
Fiz isto como teste para uma eventual colaboração. Mas fiquei-me pelo teste, que apesar de tudo me presenteou com um belo livro.
Prós: uma escrita intensa e cinematográfica, emocionante e simultaneamente reflexiva.
Contras: a opção por parágrafos com uma frase torna-se factor de distração na leitura, em alguns casos.
Os «dias sem fim» da guerra colonial são contados neste novo romance de Luis Rosa. Autor e narrador, é através dele e das suas memórias que percorremos e vivenciamos os episódios passados na Guiné-Bissau de há mais de três décadas atrás. Episódios, esses, que vão muito além das operações militares. O teatro de guerra oferece-se como palco para a observação de costumes, crenças, valores, religiosidade, fé, amor e, sobretudo, de reflexão constante sobre a condição humana, do tipo de homem que se revela em cada homem face à crueza da guerra e à luta pela sobrevivência. «A aprendizagem dos dias sem fim iria mostrar-me até onde chegaria a bruteza dos actos e a selvajaria das situações», antecipa-nos assim o autor os exemplos que surgirão no desenrolar da acção e que medirão isso mesmo. É nessa dinâmica que Luis Rosa vai desfiando as suas memórias. Os diferentes episódios são descritos de forma dramática e intensa, com um desenrolar quase cinematográfico, onde cada capítulo surge como uma cena diferente, retrato das variadas experiências: os combates, a guerra psicológica, as gentes e os costumes, os lugares, os cheiros ou o tempo. Mas as contradições, as questões e as reflexões acompanham a acção, enquadrando o significado dos acontecimentos para o autor. Mais do que o que viu importa aqui o como viu, o entendimento para lá das palavras, as sensações à flor da pele, o sentido de dever, a sobrevivência, deixar um filho.
Neste belíssimo romance, Luis Rosa dá-nos uma perspectiva simultaneamente social e profundamente pessoal da nossa história contemporânea, de uma guerra que «nunca foi uma guerra de ódio» nem de valores, dos que são intrinsecamente humanos, como mostra nas páginas do seu livro.
Para além da guerra
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Prós: uma escrita intensa e cinematográfica, emocionante e simultaneamente reflexiva.
Contras: a opção por parágrafos com uma frase torna-se factor de distração na leitura, em alguns casos.
Os «dias sem fim» da guerra colonial são contados neste novo romance de Luis Rosa. Autor e narrador, é através dele e das suas memórias que percorremos e vivenciamos os episódios passados na Guiné-Bissau de há mais de três décadas atrás. Episódios, esses, que vão muito além das operações militares. O teatro de guerra oferece-se como palco para a observação de costumes, crenças, valores, religiosidade, fé, amor e, sobretudo, de reflexão constante sobre a condição humana, do tipo de homem que se revela em cada homem face à crueza da guerra e à luta pela sobrevivência. «A aprendizagem dos dias sem fim iria mostrar-me até onde chegaria a bruteza dos actos e a selvajaria das situações», antecipa-nos assim o autor os exemplos que surgirão no desenrolar da acção e que medirão isso mesmo. É nessa dinâmica que Luis Rosa vai desfiando as suas memórias. Os diferentes episódios são descritos de forma dramática e intensa, com um desenrolar quase cinematográfico, onde cada capítulo surge como uma cena diferente, retrato das variadas experiências: os combates, a guerra psicológica, as gentes e os costumes, os lugares, os cheiros ou o tempo. Mas as contradições, as questões e as reflexões acompanham a acção, enquadrando o significado dos acontecimentos para o autor. Mais do que o que viu importa aqui o como viu, o entendimento para lá das palavras, as sensações à flor da pele, o sentido de dever, a sobrevivência, deixar um filho.
Neste belíssimo romance, Luis Rosa dá-nos uma perspectiva simultaneamente social e profundamente pessoal da nossa história contemporânea, de uma guerra que «nunca foi uma guerra de ódio» nem de valores, dos que são intrinsecamente humanos, como mostra nas páginas do seu livro.
Memória dos Dias Sem Fim
Luis Rosa
Romance
Editorial Presença
15,80 €
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