Tuesday, June 8, 2010

Em busca de um emprego - Parte I

Nos tempos que correm as palavras mais ouvidas são 'crise', 'défice' e 'desemprego'.
Mas na minha, ainda curta, experiência no mundo laboral já vi muitos dos sintomas recessivos que agora ganham contornos de manchete de jornal. Um deles é inevitavelmente a escassez de oferta de emprego, inversamente proporcional à imaginação daqueles que ainda o têm para oferecer à mão-de-obra disponível.
Começo, então, pela minha experiência mais recente e mais fresca na memória.
Concorri a um estágio 'remunerado' e chamaram-me para entrevista esta semana. Apesar de já ter reunido algumas condições para o meu radar se poder concentrar em ofertas a sério, ou seja alguns anos de experiência, de vez em quando lá aparece um anúncio aparentemente milagreiro de estágio remunerado, que não os vulgarmente comparticipados pelo Estado. Ocasionalmente, lá vou espreitar essa grande oportunidade que é a de aprender e enriquecer-me espiritualmente até ao fim dos meus dias.
Então fui à entrevista, em Cacilhas, Almada. Foi a primeira vez que andei de cacilheiro e foi a melhor experiência dessa aventura, sem dúvida.
Chegada à entrevista sou recebida com todas a delicadezas e acomodada numa sala de reuniões nova, decorada com loiças monárquicas. Da sala posso ver os vários servidores que fornecem os dados necessários à produção da actividade: no caso, clipping.
Por ser mais aproximado da minha área de formação e por pensar que o carácter de estágio possibilitaria um horário mais reduzido que o do trabalhador normal, comecei a fazer contas à minha rotina diária e ao rendimento mensal.
- Ora bem, quatro horas em Almada, de manhã, mais cinco, à tarde, no part-time que já tenho já me dá para orientar mesmo que só ofereçam uns 200 euros.
Acertei na última parte. Mas já lá vamos.
Antes da entrevista em si tive de preencher um formulário. No ponto da experiência profissional aparecia um quadro para colocarmos o respectivo salário auferido em cada uma das experiências.
- Mau, que violação de privacidade é esta? - pensei logo. Depois reflecti e achei que ao referi-lo podia dar uma ideia de por quanto ficaria ou, melhor, por quanto menos não ficaria.
No fim do dito formulário havia uma outra curiosidade, certamente vinda directamente dos manuais de recursos humanos e das suas pseudopsicologias. «Escreva um texto sobre um tema à sua escolha».
-WTF?
Como não fazia ideia do que inventar e não podia perder muito tempo falei do rio, de Almada, do movimento pendular e de como gostei de já ter trabalhado no lado de lá da margem - pura poesia, como se pode ver, embora de sentimento verdadeiro.
Passo então à fase da entrevista e, feitas as devidas apresentações sobre as tarefas em causa, segue-se a equação disponibilidade + horário + dinheiro.
- Bom, já vi que só pode vir da parte da manhã. Se tem de estar às 15h em Lisboa, teria de fazer o turno das 7h às 14h - disse o director da empresa.
- Teria de sair à 13h porque às 15h é a hora a que entro no outro trabalho - respondi eu. Tradução: tenho de apanhar transportes e comer qualquer coisa. Desculpe, sim?
- Ah, então faria só seis horas - replicou. Podia compensá-las depois porque tem de fazer sempre dois fins-de-semana por mês.
- Compensar? - pensei.
Pois é, a nova moda agora é o termo 'compensar'. Compensar por não dormir lá? Compensar o quê afinal? O facto de não trabalhar de borla? Esta arrogância de quem oferece trabalho como se o fizesse por vocação missionária descobriu essa nova palavra. Já no meu actual trabalho de part-time também compensamos uma hora todas as semanas, contratualmente apelidada de hora de formação, realmente hora extra não remunerada.
Voltando à equação, chegamos à parte da dita remuneração, ou seja, bolsa de estágio.
- A bolsa que oferecemos é 250 euros.
A equação passa a ser 7h/dia + entrar às 7h e depois ir para outro trabalho e sair de lá às 20h + fins-de-semana + 250 € . Resultado igual a 0.
- Pelas suas palavras parece que me quer dizer que vai pensar - indagou o director.
- Sim. Percebo que a bolsa seja algo inferior a um salário - imagino quanto este será - mas tenho de ponderar se compensa.
Obviamente declinei a «oportunidade de carreira» que o senhor me oferecia, tentando ser educada e dando desculpas de variada ordem que ele refutava,imagine-se, usando o meu texto de tema livre.
- É cedo, mas a essa hora há sempre barcos e o fluxo de pessoas, como disse no seu texto, é no sentido oposto.
Na minha cabeça passava toda a espécie de ofensas possível com a mesma base de fundo: «és um filho da puta que tem clientes como a Mercedes e pagas esta merda às pessoas para se matarem a trabalhar aqui. Se isso é ser empreendedor, então também eu sou». Mas sorri e despedi-me.
Hoje liguei para comunicar oficialmente a decisão e ainda levei com uma gargalhada irónica quando disse, em jeito de conversa de circunstância, mas sem qualquer intenção, que podia ser que surgisse uma próxima oportunidade no futuro.
Apesar de tudo continuo a gostar de Almada e a achar que os braços do Cristo Rei estão genuinamente abertos para todos.

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